VÔO

Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas, as palavras voam.
Voam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as palavras voam.
E as vezes pousam.

(Cecilia Meireles )

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A CARTOMANTE

Quanto mais Tereza contava mais Alberto ironizava. A moça insistia em dizer “yo no creo em brujas, pero que las hay , las hay.
- Vamos Alberto você precisa acreditar, ela sabia tudo. Mal havia sentado e ela já foi dizendo:
-Você está vivendo um amor proibido!!!
E ai não parou mais, nem precisei fazer perguntas, pois afinal ela me garantiu que teremos um final feliz.
-“Final feliz??” e ela disse como? - E sobre o Renato, ela também falou? Ela viu nas cartas se ele vai tomar um chá de sumiço ?
-Alberto  ela é só uma cartomante! É claro que não me diria tudo de uma só vez. Mas não importa , pois o principal ela me disse. Agora estou mais tranquila, tenho certeza que você me ama.
O moço riu da ingenuidade da jovem. Imagina se era preciso procurar uma cartomante, pra saber o que ele não tinha mais como esconder. E assim voltou a fazer piadas a respeito das adivinhações que deixara Tereza tão confiante.
- E onde mora a cartomante? De repente posso ir até lá, pra saber se vou ganhar na loteria, se vou ficar milionário ou se tenho chance de conquistar uma vaguinha e entrar pra turma do Tarso.
A moça indignada voltava a citar Cervantes:
- Alberto!!! Chega de ironias eu já lhe disse que também não creo em brujas, pero que las hay, las hay. E a cartomante é bem aqui no inicio do quarteirão. Você lembra  daquele casarão velho, que parece em ruinas? Pois ela mora ali. Quem sabe  você  passa por lá e vai se surpreender com o poder dela.
Ali estavam os dois, desperdiçando os breves momentos que podiam ficar juntos, naquela conversa “pra boi dormir”.
Enquanto admirava a graciosidade da jovem que ficara corada ao defender seu ponto de vista, Alberto olhou de relance para o relógio e percebeu que estavam ali tempo demais, e era hora de voltar cada um para seu lado.
Primeiro ele foi até a porta, olhou para ambos os lados e fez sinal para que ela saísse. Ao passar por ele, que continuava na porta entreaberta , deixou seu corpo roçar no dele  e ficaram  assim por breves segundos desejando eternidade. Somente depois que ela desapareceu de seu olhar apaixonado é que ele em passos  largos , ganhou as ruas, ansioso para sair especialmente daquela que abrigava o esconderijo dos dois. Antes de entrar no carro , parado próximo a praça , sentou no primeiro banco e ali ficou, tentando colocar os pensamentos em ordem. Na verdade toda aquela conversa de cartomante, tinha sido divertida mas ele sentia um orgulho e tanto de saber que ela queria garantias de que ele a amava. E pensar que isso tudo não podia estar acontecendo...
Estirado sobre o banco, deixou-se levar e não pode evitar  de repassar mais uma vez todos os acontecimentos até então.
Ele e Renato  foram criados juntos, moravam na mesma rua, suas casas eram separadas apenas pelos jardins, nem mesmo  muros ou grades haviam. Seus pais compartilhavam sonhos para os meninos que brincavam livremente pelas ruas. Assim foram crescendo mais irmãos do que amigos. Renato era mais tímido, porém mais estudioso. Alberto mais expansivo, porém mais preguiçoso. Na verdade um completava o outro. E foi assim por muito tempo.
Renato foi para a faculdade fazer medicina como seus pais queriam e nesta mesma ocasião Alberto perdeu seu pai num acidente de carro. A perda fez com que o jovem em choque e certo de que só iria fazer Direito para alegria do pai, abrisse mão de tudo e ficasse por muito tempo sem fazer nada. Até que a mãe exigiu que ele tocasse sua vida e aceitasse um emprego público, o qual mantém até hoje.
A família de Renato mudou-se com ele para apoiar nos estudos e , portanto os amigos perderam o contato físico, mas nunca deixaram de se comunicar por telefonemas ou cartas. O conteúdo das cartas geralmente eram de Renato pedindo um conselho ou uma  sugestão,  as ligações eram em tom de desabafos de como se sentia só. As respostas de Alberto eram de incentivo, de apoio e cheias de saudosismos de um tempo que passara.
De repente Alberto ficou pensando como teria sido sua vida se tivesse feito a vontade do pai. Talvez hoje fosse um advogado conceituado, casado e com filhos...Mas o destino não quis que fosse assim .Então tocava sua vidinha sem grandes emoções...Até o dia em que seu telefone tocou e Renato falava com voz animada, contando que conhecera uma jovem linda e que pensava em casar com ela. O namoro  de Renato com a jovem certamente passou a ocupar mais o tempo dele, pois as cartas e os telefonemas diminuíram.
A vida seguia seu curso, até o momento em que Alberto viu no jornal a foto do horrível acidente de carro envolvendo os pais de Renato. Ambos morreram no local. Mal havia terminado de ler a noticia e seu telefone tocou. Era Renato desesperado. De repente o amigo estava sem chão, sem norte. Alberto sabia como era isso já havia perdido o pai. Somente algum tempo depois o jovem percebendo que não conseguiria continuar resolveu voltar  para sua cidade e o convívio com o companheiro.
No dia em que Alberto foi buscar o amigo e a esposa que chegavam, não estava preparado para a peça que o destino lhe pregaria. Ao lado de seu amigo, cabisbaixo, sério e aparentando mais idade do que tinha caminhava uma jovem mulher, que tentava a todo momento manter o braço sobre o homem, que parecia alheio ao movimento. A emoção dos amigos era visível ao trocarem o abraço que sempre os uniu. Não foi apresentando a moça. Ela foi se apresentando. Era Tereza, a esposa de Renato. Ela falava com desenvoltura e elogiava todo tempo a amizade que unia os dois.
Para ajudar o amigo a se instalar na cidade e a curar suas dores, Renato  passou a frequentar a casa dos dois. Seria como antigamente se não fosse o fato que agora eram três e a tristeza infinita de Renato, alheio a tudo e a todos. Sem perceber Alberto e Tereza foram se aproximando, conversavam, liam, iam ao cinema, preparavam refeições juntos, enquanto Renato, fiel a memória do pai se jogara no trabalho e não ligava pra mais nada.
Foi num desses programas comuns que o inevitável aconteceu, quando perceberam estavam se beijando e todo o resto veio a tona sem nenhum dos dois impedir. Desde então a vida real se assemelhou a um romance de Nelson Rodrigues. E foi preciso procurar esconderijo para abrigar esse amor proibido. Com o coração apertado ele sorriu ao lembrar  de Tereza contando da cartomante .Riscou no chão seu nome, o de Tereza e relutante escreveu o nome de Renato. Este último, apagou rapidamente com a sola do sapato, sentindo culpa muita culpa...Levantou-se depressa e foi para o trabalho.
E foi justamente no trabalho, que encontrou sobre sua mesa uma carta, sem remetente, olhou o envelope e e sem expectativa nenhuma começou a ler, empalidecendo ao ver o conteúdo . Esta foi só a primeira de muitas outras que chegaram alertando-o de que Renato estava por um fio de descobrir toda sua traição. Um pesadelo começava e anunciava o fim de seu caso com Tereza. Esperou por ela no lugar de sempre e contou-lhe sobre as cartas anônimas. Decidiu que não a  encontraria mais e que não voltaria mais na casa do amigo .O que Tereza não concordou pois isso iria chamar mais a atenção de Renato. Ela reagiu com violência , não aceitava terminar tudo, afinal eram só cartas, podia ser uma brincadeira de mau gosto...Mas mesmo sofrendo Alberto foi irredutível. Desta vez ele foi o primeiro a sair do esconderijo, olhando com raiva para a casa da cartomante, pronunciando entre dentes “final feliz! Sei!”
A vida quase voltou ao normal, se não fosse a falta que sentia dela. Os dias custavam a passar e precisou mudar toda sua rotina para não passar por sua casa ou pelo esconderijo. Nada podia dar errado, não podia sucumbir ao desejo.
Numa manhã em que o tempo parecia ter parado no marasmo de sua existência, ele recebeu um bilhete de Renato.
‘Preciso falar com você, ainda hoje. Não demore, Estarei em casa.”
Com as mãos suando, quase molhando o pequeno bilhete, leu  muitas vezes o pequeno texto que aparentemente era inofensivo. Seus olhos teimavam em pousar no “não demore, estarei em casa”- porque em casa, porque não no consultório ...
Pegou a chave do carro, foi até a porta, voltou, sentou novamente, enxugou o suor do rosto que insistia em cair. Tentou acalmar as batidas do coração que pareciam sair pela boca, leu o bilhete novamente e foi. Para ganhar tempo, pegou a rota mais demorada e quando percebeu  estava em meio a um congestionamento. Pela primeira vez não se importou com isso. Achou até que podia ser um sinal. Enquanto esperava, a buzina dos carros se transformava nas risadas de Tereza ou na voz grave de Renato lhe recriminando.
 A lentidão dos carros desacelerava o coração de Alberto mas não diminuía a tristeza pela traição ao amigo e pela perda da mulher amada. Após duas horas de congestionamento, o trânsito começou a acelerar e com isso o coração de Alberto voltou a bater descompassadamente. Pensou em não ir, melhor não saber o que lhe esperava lá. Repentinamente a voz de Tereza chegou aos seus ouvidos. –“ você  lembra daquele casarão velho, que parece em ruinas? Pois é ela mora ali. Quem sabe  você passa por lá e vai se surpreender com o poder dela.”
Sem pensar muito deu uma guinada com o carro e se dirigiu até a casa da cartomante.
A casa era horrível, a escadaria parecia que iria ruir a qualquer momento, antes mesmo de bater a porta abriu, provocando um arrepio em Renato. Uma mulher de meia idade o convidou a entrar e o levou para uma sala escura cheirando a mofo. Retirou de uma gaveta um  baralho, espalhou as cartas sobre a mesa e foi falando:
- Quanta ansiedade, tantas dúvidas!!!! Viestes saber o que o destino tem pra você?
Renato não sabia o que dizer, tentava falar  mas não sabia se acreditava ou não naquela mulher tão insignificante...
- Ela pareceu ler seus pensamentos e foi logo dizendo:
- Vá sem medo, nada de ruim vai lhe acontecer, seu segredo está bem guardado, vá em paz.
Renato aliviado, não cabia em si de alivio.
A mulher levantou, abriu uma gaveta, segurou um colar de pérolas na mão e começou a acariciar cada uma delas.
Renato ,  mal cabia em si de alegria e louco para sair dali, tirou da carteira tudo o que tinha e depositou na mesa. Os olhos da mulher brilharam com a quantia, era muito mais do que costumava ganhar.
Desceu a escada de dois em dois degraus, sorria e pensava como tinha sido bobo,  Renato estava apenas com saudade, com vontade de conversar, talvez ele estivesse voltando a vida e precisava dele.
Estacionou o carro e desceu ,  foi entrando sem bater, gritando o nome do amigo. Foi em direção de sua voz que vinha do escritório. Ao abrir encontrou Tereza sentada de costas para a porta e Renato em pé com o rosto desfigurado, segurando uma arma. Em choque ouviu a pergunta que fez o amigo:
-“ Querida atiro eu ou atira você?”
Aterrorizado ele viu quando ela levantou,também tinha uma arma, parecia ter envelhecido vinte anos  e juntos, num movimento coreografado dispararam dois tiros contra ele, que caiu morto.
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