VÔO

Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas, as palavras voam.
Voam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as palavras voam.
E as vezes pousam.

(Cecilia Meireles )

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A presença da Euritmia na Pedagogia Waldorf

O currículo da Escola Waldorf  dá grande importância às matérias artísticas e artesanais, tanto do universo plástico – pintura e desenho (diversas modalidades), escultura (em madeira, argila, metal, pedra), marcenaria, ourivesaria, tricô, crochê, macramé, costura, tecelagem – como do mundo poético/musical/canto, música instrumental, recitação, teatro, que participam do desenvolvimento do jardim ao colegial. Trata-se, até aqui, de artes que vêm acompanhando a humanidade no desenrolar da História há muitos séculos ou, até, há milênios
Dentro do universo das artes musicais, Rudolf Steiner – fundador da Pedagogia Waldorf e da Euritmia – inclui a arte eurítmica como matéria imprescindível no currículo Waldorf, desde a fundação da primeira escola, em 1919.
Num século tão conturbado e acelerado como o nosso, o homem vem sendo crescentemente conduzido por forças extrínsecas à sua personalidade. Sua ação é determinada pela mídia, suas idéias criativas sufocadas pelo processo de massificação que, incrementado pela mais refinada tecnologia, acomete o ser humano – tanto no mundo lá fora como na intimidade do seu lar – impondo-se à sua vida externa e anímica com poder contundente. No âmbito mais amplo, os problemas físicos, ecológicos, econômicos, psicológicos, sociais, políticos e, não por último, éticos crescem assustadoramente. A humanidade assiste aterrorizada à iminência de grandes catástrofes, nos mais diversos setores da vida.

Urge que possamos vislumbrar formas novas – tanto para as grandes instituições da sociedade como para a vida do indivíduo - inspiradas numa visão imaginativa de um futuro mais saudável, formas nas quais o homem possa viver com dignidade e atuar segundo sua tarefa mais nobre de construtor da realidade. Evidencia-se também a necessidade de forças adequadas para engendrar processos que levem do “status quo” a essa imagem do futuro.
Onde vivificar-nos com a seiva de novas idéias? Como realizá-las?
Qual a fonte capaz de cinzelar os instrumentos adequados a transpor o abismo entre idéia e ação?
Ora, entre os três grandes âmbitos do desenrolar da vida humana – Ciência, Religião e Arte – o homem quase sempre crê residir no primeiro a chave para esses mistérios. Se recorre à Religião, é por mera tradição, ou pela fé no poder divino saneador, supostamente incompreensível à consciência humana. E se recorre à Arte, em geral o faz na busca de um passatempo higiênico para suas tensões ou até da expressão desvairada de emoções subjetivas.
A atuação extensa de Rudolf Steiner em relação às artes desvendou à consciência moderna a função essencial do criar artístico. Nele o homem desenvolveu uma consciência processual, aprende a viver no fluir da vida, aprende a pôr o vigor de sua ação a serviço da corrente criadora do mundo, insere-se no atuar de leis universais. No verdadeiro criar artístico, o homem experimenta um poder abrangente, que transcende sua subjetividade, seu egoísmo; o homem conhece o processo que une matéria ao mundo ideal. E uma vez inserido no fluir dos processos, ele aprende a auscultar o desenvolvimento necessário, a “ouvir” o futuro!
Por essa razão as artes ocupam uma posição tão central na Pedagogia Waldorf, já que esta se dedica à informação e, ainda mais, à formação do ser humano em crescimento. E por considerar o homem como dotado de corpo, alma e espírito, todos os esforços devem ser empreendidos para tornar saudável o desenvolvimento físico e fisiológico da criança, para ampliar a sensibilidade da alma e para permitir a expressão criativa, individual da personalidade que se consolida. As artes têm aí um papel central e insubstituível!

Qual é, então, a particularidade da arte eurítmica no contexto pedagógico?

Em primeiro lugar a Euritmia precisa “afinar o seu instrumento” para poder vir a ser como arte. Seu instrumento é o ser humano pleno. Consideremos como se dá essa “afinação’, no tocante ao trabalho com o corpo: nas aulas de Euritmia a criança “dança” poesias, histórias, músicas, pondo seu corpo, dessa forma, a serviço das idéias  de grandes gênios da humanidade. Ao fazê-lo, ela está evidentemente se inserindo nas mais severas leis de ritmos, de contração e expansão, que fundamentam sua saúde. Ao mesmo tempo, está aperfeiçoando sua relação com as dimensões do espaço, já que coreografar uma poesia implica em ocupar conscientemente o espaço segundo as leis da geometria. Os muitos exercícios de destreza e multiplicidade dos conteúdos abordados, tanto poéticos como musicais, tornam o corpo da criança ágil, gracioso, expressivo e versátil. A complexidade das tarefas se apóia nas habilidades pertinentes a cada faixa etária, sendo cada exercício uma conquista, um aprofundamento.
A Pedagogia Waldorf acompanha o desenvolvimento da alma infantil, trazendo-lhe grandes conteúdos advindos da história da humanidade. Em cada ano escolar, a criança recebe alimento anímico de acordo com o tipo de consciência que ela está desenvolvendo. As aulas de euritmia acompanham o currículo central dado pelo professor de classe. Daí sua importância crucial dentro da pedagogia antroposófica. Se, ao educar, estamos formando homens do futuro, temos que lhes dar as condições amplas que harmonizem e enobreçam o seu corpo, que sensibilizem sua alma às nuances do mundo, que permitam ao seu Eu estar presente e produtivo, segundo sua própria deliberação. Pois a sociedade vindoura só será digna se nela puder atuar o homem individual pleno, e se ele souber pôr o seu atuar, de modo altruísta, a serviço do desenvolvimento social.
Uma adaptação do texto editado na revista Chão Gente, n° 12, de Marília Barreto Nogueira, euristmista, participante do Grupo de Euritmia Nascente de São Paulo, e desde 1988 professora da Escola Rudolf Steiner de São Paulo.


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