VÔO

Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas, as palavras voam.
Voam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as palavras voam.
E as vezes pousam.

(Cecilia Meireles )

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domingo, 12 de dezembro de 2010

Questão de leitura

Tiririca errou oito em dez itens. Foi aprovado. Acertou ao falsificar o documento que lhe permitiu obter o registro para ser candidato. Como sempre, não deu em nada. Nem vai dar. Como acusar um cético profissional de falsidade ideológica? Ainda mais um sujeito sincero que jamais escondeu sua ignorância sobre as atribuições de um parlamentar. Muitos deputados não costumam ler o que aprovam ou assinam. Nem saber o que fazem. Vai ser barbada para ele. Brasileiro não lê mesmo. Salvo, numa parte da classe média, Paulo Coelho e Harry Potter. Melhor continuar sem ler. Tudo é questão de leitura. Saiu o resultado do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). O Brasil foi mal ou foi bem? Depende. De quê? Da leitura. Numa leitura otimista ou generosa, fomos muito bem. Apenas Chile e Luxemburgo avançaram mais do que nós. Demos um extraordinário salto de qualidade. Já não somos o lanterninha em Matemática e Ciências. Ufa!
O problema é que sempre há mais de uma leitura possível. Justamente no quesito leitura, sempre tão valorizado, fomos muito mal. Quase metade dos nossos alunos (49,6%) não atingiu o nível básico esperado. É o efeito Tiririca. Vamos ter muito deputado semianalfabeto. O pessoal é inteligente, mas se atrapalha com as letrinhas. É muita letra. O número de combinações possíveis desnorteia a juventude. Tem palavra demais. Os sinônimos confundem as mentes em formação. É tudo muito complexo. O Pisa busca verificar "entendimento, uso, reflexão e interesse por textos escritos, para que se possa obter resultados, para que seja possível desenvolver conhecimentos e potenciais e para participar da sociedade", diz uma professora. Tiririca não entendeu grande coisa e vai participar da elite da sociedade.
Saíram muitas manchetes de jornal sobre os resultados do Pisa. Em algumas delas, tudo é comemoração. Noutras, só derrotas. Velho problema das estatísticas. Os números estão cada vez mais subjetivos. Ainda mais números sobre letras. Ler números embaralha o raciocínio. Cada um lê o que lhe interessa. Tem jovem que pergunta descaradamente: para que mesmo serve ler? Campanhas de estímulo à leitura lembram esses anúncios, repetidos exaustivamente em véspera de feriadão, para diminuir acidentes de trânsito: "Se beber, não dirija". Os motoristas parecem ler o contrário. Questão de interpretação. É um massacre. O número de mortos só aumenta. O melhor caminho para um professor ser detestado por uma boa parte dos seus alunos é obrigá-los a ler.
O Pisa mostra que estamos melhorando. Já sabemos soletrar. Tem deputado que leva menos de dez minutos para ler "Ivo viu a uva". E apenas 30 segundos para decifrar a palavra "emendas". Questionada sobre o nosso péssimo desempenho em leitura, uma especialista afirmou sobre o professor: "Como ele pode exercer o papel de mediador da cultura se ele mesmo não consegue acessá-la?". Por que não consegue? Porque ganha mal. Cultura custa caro. Quem fala em meritocracia, precisa antes meter a mão no bolso. Ler dá trabalho. E emprego. Quem lê, pisa firme. Na Europa.
Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br
ANO 116 Nº 72 - PORTO ALEGRE, SÁBADO, 11 DE DEZEMBRO DE 2010

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